A cada duas semanas, de 2010 a 2011, a química Luciana Vanni Gatti, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), sobrevoou a floresta Amazônica colhendo amostras de ar, que eram armazenadas em frascos de vidro. No Laboratório de Química Atmosférica do IPEN, ao analisar os índices de concentração de dióxido de carbono (CO2) e monóxido de carbono (CO), ela verificou que as medidas refletiam a resultante de todos os processos de emissão e absorção de CO e CO2 que tinham ocorrido desde o oceano Atlântico até os locais em que colheu as amostras. Com essas informações, Luciana, junto de seus colaboradores, pôde medir a reação dos estoques de carbono da floresta à seca em diferentes áreas, concluindo que durante os períodos de seca a floresta pode estar liberando mais CO2 para a atmosfera do que absorvendo. A constatação não é das melhores. Caso essa tendência se mantenha, a região pode se tornar uma fonte de emissão de CO2, acelerando e intensificando o aquecimento global.
Há anos pesquisadores têm-se esforçado em medir o balanço de carbono na Amazônia com o objetivo de entender como as mudanças climáticas podem influenciar o equilíbrio dos processos que enviam (como as queimadas) e absorvem (fotossíntese) CO2 da atmosfera. Agora, num estudo publicado na edição desta quinta-feira da revistaNature, o grupo internacional de pesquisadores, sob coordenação de Luciana e também de Emanuel Gloor, da Universidade de Leeds, na Inglaterra, e John Miller, da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, conseguiram obter uma amostra representativa do balanço de carbono de toda a bacia amazônica ao coletarem amostras de ar em quatros áreas distintas, nas regiões de Santarém, no Pará, Rio Branco, no Acre, Tabatinga, no Amazonas, e de Alta Floresta, no Mato Grosso.
Segundo eles, os locais refletem o modo como o fluxo de ar se espalha pela bacia, entrando pelo oceano Atlântico e se deslocando para outras localidades, mais no interior da floresta. Trata-se também de uma amostra representativa de toda a bacia amazônica. Diferentemente de estudos com torres no meio da floresta, equipadas com instrumentos que realizam medições constantemente do fluxo de gases na atmosfera — algumas chegam aos 50 metros de altura, acima da copa das árvores —, os sobrevoos em diferentes áreas podem fornecer dados mais amplos (ver Pesquisa FAPESP nº 72). “Estudos com base em amostras coletadas em torres têm uma representatividade mais local, pois o alcance de cada torre é de um raio de cerca de 10 quilômetros”, explica Luciana.
A quantidade de chuvas anuais foi o fator determinante para o balanço de carbono retido e liberado na atmosfera pela Amazônia, comenta a pesquisadora. Em 2011, ano bastante úmido, a floresta absorveu quase todo o carbono que foi emitido para a atmosfera: 250 milhões de toneladas de carbono, enquanto que as queimadas lançaram 300 milhões de toneladas de carbono. Com isso, a floresta compensou quase toda a emissão das queimadas em 2011. Já em 2010, ano em que a floresta experimentou uma seca extrema, a queima de biomassa aumentou significativamente, assim como a quantidade de CO2 lançado de volta para a atmosfera.
Luciana explica que em 2010 as chuvas previstas para os meses de fevereiro e março foram aquém do esperado. “Significa que a floresta não conseguiu armazenar água suficiente para enfrentar a época de seca”, diz. Assim, durante o período de seca as plantas sofreram um estresse hídrico acima do normal, com baixo estoque de água no solo — fundamental, por exemplo, para o processo de evapotranspiração, uma das fases do ciclo d’água. Com a vegetação mais seca, aumentou também a incidência de queimadas. O resultado foi que a queima de biomassa em 2010 liberou quase dois terços mais carbono na atmosfera do que em 2011, ano mais úmido.
A queima de biomassa na Amazônia tem aumentado também por causa do manejo inadequado do fogo em áreas de cultivo. “Muitos agricultores acabam perdendo o controle do fogo ao usá-lo de forma inadequada. Com a vegetação seca, esse risco aumenta”, conta Luciana. As queimadas são uma das principais fontes de emissão de CO2 na região. Esse problema foi agravado em 2010 na Amazônia, já que neste ano houve um número maior de focos de queimadas. Desde 1999 a região tem sofrido períodos de seca com intervalos cada vez menores, favorecendo a ocorrência de incêndios na floresta. “O que temos visto são anos atípicos, com variações climáticas extremas”, diz. A pesquisadora defende, por isso, um monitoramento contínuo do balanço de carbono na Amazônia a fim de se estabelecer uma média do quão sensível são os ecossistemas amazônicos em relação às mudanças climáticas. Segundo Luciana, será necessário um esforço de pelo menos 10 anos para entender completamente o futuro do balanço de carbono da região.
Outro estudo publicado no mesmo dia na versão on-line da Nature sustenta o trabalho de Luciana. Nele, um grupo de pesquisadores, liderados por Douglas Morton, do Goddard Space Flight Center da NASA, a agência espacial norte-americana, relata que os dados coletados a partir de observações via satélite sobre a capacidade da floresta amazônica de produzir novas plantas durante os períodos de seca podem ter sido mal interpretados por conta de uma ilusão de ótica. Segundo eles, o aumento das manchas verdes observadas sobre a copa das árvores pelos satélites parecia sugerir que a floresta respondia bem aos períodos de seca. Por meio de modelos de transferência radioativa, sensores óticos e análises independente de imagens de satélite, eles verificaram que o aparente crescimento das folhas sobre a copa das árvores, na verdade, é um efeito causado por mudanças na forma como a luz infravermelha é refletida pela copa da floresta. Os resultados sustentam, assim, que a disponibilidade de água, em vez de luz, é o principal fator a limitar a produtividade vegetal na floresta amazônica.
O grupo de Luciana já coletou as amostras relativas a 2012 e 2013, mas ainda não concluíram as análises. Por enquanto, as estimativas envolvendo o equilíbrio de carbono em toda a bacia durante um ano muito seco (2010) e outro muito úmido (2011) já ajudam a indicar que mudanças esperar.